Resenha: Dear Martin, Nic Stone

Eu decidi esse ano, principalmente por causa do blog, me dedicar mais a ler livros com protagonismo negro e escrito por autores negros. Também decidi que vou parar de pegar livros que mostram o sofrimento de pessoas negras, mas isso não deu tão certo porque todos os dias as pessoas negras sofrem. 

Eu comprei vários livros essa semana e provavelmente vou comprar mais na Black Friday, e entre eles estava a obra de Nic Stone, Dear Martin, ou em português, Cartas para Martin. É um livro curtinho com apenas 208 páginas e uma escrita fácil de se entender (para quem quiser comprar em inglês). É um livro que mostra a vida de um garoto, Justyce McAllister, que vê em uma ceninha da sua namorada, a chamada para ele acordar para vida e perceber o que o rodeava. 

Capa do livro Dear Martin, de Nic Stone

O menino que tentava fazer sua ex-namorada entrar dentro do carro e não dirigir bêbada, se viu algemado e preso apenas por ser negro. Simplesmente por "se encaixar no perfil de um bandido" como o próprio policial afirma. Após isso, viu em suas aulas de debate (ele estudava em uma escola preparatória para a faculdade burguesa safada, por isso a aula diferenciada) como os racismos não velados se espalhavam como capim. 

O negacionismo de um racismo institucional e das estatísticas é algo que não se prende apenas às folhas de um livro, mas em nossas vidas. No dia de hoje, Dia da Consciência Negra, vemos aquela maldita e nojenta frase: "não deveria ser consciência negra, mas sim consciência humana". Essa frase é pior que um soco na minha cara, quando ela é compartilhada mil vezes na internet, eu vejo que as pessoas não entendem nada ou simplesmente fingem não entender.

E esse tipo de comportamento é explorado nas aulas de debate, onde um garoto branco usa a exceção para ser uma regra, afirmando que existe uma igualdade na sociedade porque um dos colegas de classe é negro e rico, comprovando (em sua mente pequena e filha da p***) que é só se esforçar que todos chegam em algum lugar. 

Temos a fada sensata (branca) que resume para o asno que o ponto de partida para duas pessoas de etnias diferentes não é o mesmo, na verdade está longe disso, pois o garoto desconfiou da entrada do Justyce em uma faculdade de grande nome e ele não, alegando ser por cotas (não vou entrar nesse aspecto para não virar um textão de Facebook, mesmo que já esteja sendo um). 

Com essas wake-up calls (acordada para a vida), o Jus viu como refúgio escrever cartas para o famoso Martin Luther King Jr., como se ele ainda estivesse vivo, falando das suas angústias, seu dia a dia e perguntando o que ele faria. Seguir a filosofia do MLK era mais difícil do que ele imaginava. Até que, após diversas injustiças, começou a questionar se valia a pena ser bom em um mundo que assumiu o pior dele, apenas por ser negro. 

O livro poderia parar por aí, e só explorar os cidadãos de bem (cof cof) que na verdade são racistas e usam a sua “liberdade de expressão” para expurgar ódio das latrinas deles, aka bocas. Mas como a vida é cheia de injustiças, vemos mais um caso de abuso policial envolvendo a morte de mais um jovem negro e com a mesma defesa de sempre: “o garoto estava indo pegar uma arma”. Essa situação acendeu dentro de mim a chama de ódio que logo se transformou em labaredas. A arte imita a vida, não é mesmo?! 

Os diálogos desse livro são puros, reais e que machucam, porque eles fazem sentido e é a realidade. As pessoas querem manter o status quo, querem manter os padrões e como foi dito na obra, descredibilizam a vítima negra que não se parece com eles e acreditam em qualquer argumento do policial, pois olham para ele e se veem no reflexo. Não querendo acreditar que se o semelhante comete crimes, eles podem cometer também. 

Apesar de ser um livro necessário, emocionante e claramente realista, ele é um livro extremamente frustrante. Eu sou uma pessoa que fico com a bochecha queimando de raiva e ansiedade e foi assim que terminei o livro. Ele me faz pensar e refletir sobre onde nós vivemos e bate aquele desgosto em viver. Nada muda.

Eu sou uma garota branca e esse não é meu lugar de fala, porém eu sou filha de uma mulher negra que já foi confundida como minha babá. E isso é o que me fez ser quem eu sou hoje em dia, a guria pistola com injustiças e que em pleno século XXI (e com a biologia para provar) precisa, logo de cara, apresentá-la como minha mãe. 

Eu não sou fã de olho por olho, dente por dente, quando estamos falando puramente sobre ações racionais. Por isso eu fiquei ainda mais frustrada com o desfecho de tudo, o livro começa como termina, a roda continua rodando e tudo na mesma. Sem justiça, sem paz (frase gritada nos movimentos Vidas Negras Importam na época do caso George Floyd).

Citações:

"Toda vez que ligo a televisão e vejo que outra pessoa negra foi morta, eu sou lembrado que pessoas olham para mim e enxergam uma ameaça ao invés de um ser humano."
"Eles precisam acreditar que você é o cara ruim que recebeu o que merecia para que o mundo deles continue rodando do mesmo jeito que sempre esteve."
Sandy Banazequi

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Sandy Banazequi

23 anos, estudante de engenharia civil, Usain Bolt da leitura/séries e chorona que ama músicas tristes.

2 comentários

  1. Oi, Sandy. Tudo bem?
    Eu primeiro quero dizer que quero ser poder conversar com você qualquer dia, segundo senti sua frustração a cada linha dessa resenha. Embora o final continue como uma roda, me pareceu realista, fui procurar o livro e vi que ele veio com o nome de Cartas para Martin para o Brasil e inclui para minhas próximas leituras.

    Gostei muito do seu texto e da importância da consciência negra não existir apenas em uma data e todo dia.

    Beijos, Vanessa
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  2. Oie, Vanessa! Tirando a frustração pós livro, tô mais tranquila hihi, e você?

    Pode chamar no ig do blog ou no meu @_banazequi. Esse livro não mudou nada em mim no quesito de como eu enxergo esse mundo, mas eu sinto que ele se tornou muito importante, sabe? Tem um ponto de vista que eu nunca teria acesso. Fico feliz que ele tenha ido para no seu carrinho :)

    Beijocas ♥

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