Crítica: Normal People

Normal People é uma série britânica baseada no livro homônimo da autora Sally Rooney, que também ajudou a escrever alguns dos 12 episódios da série, cada um com duração entre 23 a 34 minutos, ou seja, ótima para maratonar. A sinopse oficial não me parece fazer jus ao que assisti, a série transcende o romance adolescente, pois ela dá uma enorme plataforma para temas como: doenças mentais, relacionamentos abusivos e os padrões da sociedade. Adianto a minha conclusão e em respeito ao Setembro Amarelo, mês da Campanha de Prevenção ao Suicídio, indico essa série que cria um espaço para o diálogo e a compreensão desses tópicos tão relevantes no século XXI. 

“Do ensino médio até a faculdade, Normal People acompanha Connell e Marianne em seus encontros e desencontros, um pela vida do outro, em um programa que explora como o amor de juventude pode ser complicado.” 

Connell e Marianne - Normal People

O clichê que eu esperava por causa da premissa de um relacionamento escondido para manter as aparências foi desbancado quando reparei que eles não seguiriam o caminho A  chilique por ser às escondidas ou B  drama por terem sido descobertos. Escolheram um terceiro caminho, o lado mais intenso da situação, os efeitos que esse relacionamento tóxico causou neles e porque chegaram a esse nível. 

A toxicidade de um casal não vem apenas da escolha de uma roupa que você usa ou de fazer ofensas (como vemos no relacionamento entre irmãos), o caso deles foi pelo fato de Connell não querer ser visto com Marianne. Essa posição causou muito mal para uma garota que já tinha mais problemas na vida do que ele poderia imaginar. As atitudes de não a defender, mesmo que ela fosse capaz de se defender sozinha, não a convidar para o baile, entre outras coisas, a fez aceitar menos do que ela merecia. Simplesmente uma atitude lixo do Connell. 

Talvez fosse mais fácil julgar o seu caráter caso ele não tivesse os próprios problemas para resolver: sua necessidade de pertencer a algum lugar, de ter amigos (por mais fúteis e imbecis que eles fossem) o cegaram a ponto de fazê-lo se comportar daquela maneira. E quando “encurralado” pela possível descoberta, ele simplesmente entrou em estado de choque, tendo sua ansiedade elevada ao pico, pela primeira vez. Eu já tinha respeito pela série por retratar esses distúrbios velados, mas foi uma grande e admirável surpresa ver que, ao desenvolver o personagem, eles focaram no tratamento correto e indicado para esses casos – a terapia

Apesar da personalidade social de Marianne ser uma muralha impenetrável, aparentando não se afetar com o bullying sofrido nos corredores do colégio, a vida dela era tão triste e solitária que apenas me compadeci com as dores dela. Tadinha da pobre garota rica, não é mesmo? Quando o mundo grita que você não deveria ter problemas reais (ansiedade, depressão etc.) por ter dinheiro e privilégios, como vamos reparar em uma garota quebrada por diversos relacionamentos abusivos? Em todos os aspectos da sua vida, devo adicionar. 

Sua mãe fecha os olhos para os abusos verbais do filho, que por sua vez tenta, e consegue, atingir a dignidade dela todas as vezes possíveis. Não posso esquecer do falecido e estúpido pai que agredia fisicamente a mãe, talvez condicionando-as (mãe e filha) a aceitar esses comportamentos errôneos por simplesmente acharem normais, já que foram expostas a isso por tanto tempo. 

Esse combo fez com que víssemos comportamentos não saudáveis da guria durante a temporada inteira, se sujeitando a situações nocivas a ela com a pretensão de sentir algo, associando ao que viveu em casa e, talvez, para fugir das boas lembranças que teve no seu relacionamento privado com Connell. A personagem não teve o arco como o dele, não procurou ajuda profissional para tratar seus ciclos viciosos, mas está em uma tentativa independente de quebrá-los. 

Há quem diga que essa série é sexy ou algo do tipo, pois há uma grande quantidade de cenas de sexo – e nesse caso eu diria “você absorveu a mensagem de forma errada, tente novamente”. Esse grande tabu é tratado com a normalidade que deveria ser. O sexo não é enredo e consegue não ser o foco das cenas, apesar dos close-ups. Para mim, o sexo é um artificio da história para mostrar o estado psicológico de cada um. Na adolescência, o casal vivia em intensa paixão e escapavam dos problemas naqueles momentos íntimos que compartilhavam. Com o passar do tempo e depois de ter seu coração partido, para nós, os espectadores, a relação da Marianne com o sexo serviu para mostrar que estava quebrada e os sinais dos outros relacionamentos tóxicos foram refletidos ali

Assim como o sexo, a nossa sociedade está acostumada a tratar como tabu as doenças psicológicas e a esconder o fato de que sofremos de males não físicos, comumente tachados como "frescuras". Acredito que para o espectador com a saúde mental intacta já seria impactante, por isso me senti tão afetada com as cenas dramáticas (conheço de perto essas sensações). Os ataques de pânico e ansiedade presentes nessa série foram as representações mais realistas que já vi, são momentos que já vivenciei e que já vi acontecer com pessoas que amo, por isso aprecio a delicadeza e a profundidade de cada cena

A inglesa Daisy Edgar-Jones, 21 anos, e o irlandês Paul Mescal, 24 anos, são atores excepcionais e entregam em cada cena, não é à toa que ele foi indicado ao Emmy para “melhor ator em minissérie ou telefilme” e a série foi indicada em outras duas categorias. Séries britânicas sempre tem um peso para mim em qualidade, normalmente fico impressionada com as joias preciosas que saem de lá e essa aqui é uma delas, assim como os jovens atores que espero ver em outras obras. 

Minissérie maravilhosa que aborda temas relevantes sem serem romantizados ou diminuídos com atores com uma cumplicidade e química notáveis. Você que leu, mas não viu – vá ver! E você que já viu – vá ver novamente e compartilha essa crítica/indicação. A série está disponível no canal na Amazon - Starzplay.
Sandy Banazequi

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Sandy Banazequi

23 anos, estudante de engenharia civil, Usain Bolt da leitura/séries e chorona que ama músicas tristes.

2 comentários

  1. Eu acho que já tinha escutado falar dessa série, mas não sabia exatamente do que se tratava e nem que passava na Amazon. Achei os temas bem relevantes e que bom que eles trataram com muito cuidado e delicadeza. Tenho ansiedade e acho que assistir pode trazer lições valiosas! E muita tema é tabu mesmo na nossa sociedade, mas aos poucos, a gente vai falando e normalizando. E eu não conhecia esses atores. Enfim, dica anotada. :)

    Beijos, Carol
    www.pequenajornalista.com

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    1. Oie, Carol

      Eu amei essa série com todo o meu coração, eu não esperava isso de uma série de ensino médio/ faculdade. Infelizmente o principal não ganhou o Emmy ontem, mas a atuação dele em cenas com crises de ansiedade foram lindas e reais. Super indico assistir :D

      Beijocas

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