Primeiras impressões da série Lovecraft Country (com spoilers!)

Imagem promocional da série "Lovecraft Crountry" com os personagens Atticus Freeman e Letitia Lewis

Confesso que há algumas semanas eu tinha dúvidas se ia assistir a nova produção da HBO ou não, pelo simple fato de eu ser muito fraca pra qualquer coisa que envolva terror, horror e afins. Mas como Lovecraft Country, baseada num livro de contos do mesmo nome, tem uma premissa tão incrível e os envolvidos na produção são tão incríveis quanto, eu não pude deixar de conferir e, como eu já esperava, fiquei positivamente impressionada pelo seu primeiro episódio, “Sundown”, que foi ao ar no domingo (16/08).

A minissérie de 10 episódios é dirigida por Misha Green e produzida por Jordan Peele (que nos trouxe as obras-primas Corra! e Nós, nos últimos anos) e J. J. Abrams (de Lost e da nova trilogia Star Wars) e segue a história de Atticus Freeman, que sai em uma viagem através dos Estados Unidos da era Jim Crow (onde havia a segregação entre a população branca e a população não-branca), em busca do seu pai, que está desaparecido há duas semanas. Atticus, seu tio George, e sua amiga de infância Letitia Lewis, partem em direção à cidade conhecida como “Lovecraft Country”, onde, diz a lenda, o autor de ficção científica H. P. Lovecraft baseou os locais de algumas de suas obras.

“Sundown” já começa de maneira épica, com uma sequência surrealista de uma batalha entre o exército, monstros gigantes e cheios de tentáculos e aliens em espaçonaves brilhantes. A primeira coisa que veio na minha cabeça nesses primeiros minutos foi “isso parece tirado direto de uma história pulp” – e realmente era, porque no final da sequência somos apresentados ao Atticus, que está lendo um livro no ônibus à caminho de Chicago. A introdução ao protagonista é cativante e quase metatextual. Ele descreve para a moça com quem está conversando como, nesse tipo de história, qualquer um pode ser um herói e salvar o dia, incluindo um jovem negro como ele – nós ainda não sabemos o quanto isso vai provar verdadeiro no final do episódio.

Enquanto somos adequados à esse universo e aos novos personagens – a família de Atticus em Chicago, os velhos conhecidos do bairro, Leti Lewis e sua irmã Ruby – dá pra perceber o quanto de atenção aos detalhes foi dedicada na produção da série. As referências à história e a cultura popular negra dos Estados Unidos estão espalhadas por todos os cantos, da trilha sonora até as referências visuais. Quando o trio de protagonistas sai em sua road trip para Devon County (o mítico “Território Lovecraft”), temos um voice over do autor e ativista James Baldwin, em que ele fala sobre como a população negra é ignorada pelo tal “sonho americano”, tão cultuado e idealizado pelos Estados Unidos. A gravação é tirada de um debate de 1965 e se torna um background poderoso para as cenas que vêm à seguir.

A série compara lado a lado os horrores sofridos pelos negros americanos durante os anos de segregação, que persistem até hoje e com os quais nos deparamos quase diariamente não só fora, mas também dentro do nosso próprio país, com os horrores monstruosos, lovecraftianos, que se escondem nas sombras. O próprio H. P. Lovecraft, cuja obra serviu de inspiração para a série, é famoso pelos seus preconceitos raciais, estampados em suas obras, e isso não é ignorado. A diretora comentou em uma entrevista: "Quando você lê Lovecraft, não pode fingir que não percebe. Então, parecia um avanço e é isso que queremos fazer com a série como um todo: prestar homenagem, fazer com que pareça o livro 'Território Lovecraft', mas também contribuir para este gênero que amamos tanto.” 

Os últimos momentos do episódio são de tirar o fôlego e demonstram bem isso. Atticus, Leti e George são parados na estrada por policiais brancos que os levam para o meio da floresta, onde os agridem e os acusam erroneamente de cometer assaltos na região. No meio dessa abordagem violenta, eles são atacados por monstros que vivem naquela floresta – e, ao contrário da obra lovecraftiana, nos deparamos com a visão total dos monstros, que tem múltiplos olhos e tentáculos grotescos. Foi divertido ver os policiais racistas sendo dilacerados pelos monstros horrendos? Vou dizer que foi sim. Mas também foi aterrorizante acompanhar os últimos minutos da trama, cheios de suspense e desespero, do tipo que faz seu coração bater mais rápido e te deixa sentado na ponta do sofá esperando pra ver no que vai dar.

Quando, no final, Atticus encontra o que ele estava procurando em Devon County, você percebe que aquela aventura não está nem perto de acabar. Vou acompanhar o resto da minissérie assim, na ponta do sofá e esperando cada plot twist, cada susto, cada monstro e cada debate que virá inevitavelmente. Se todos os futuros episódios forem como esse primeiro, então vamos ter uma das melhores séries desse ano, com certeza.
Luiza de Toledo

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Luiza de Toledo

23 anos, estudante de letras, professora, pseudo-cinéfila e sommelier de fanfiction.

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