Resenha: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, Suzanne Collins (com spoilers)

Capa e marcadores do livro "A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes" de Suzanne Collins

Decidi comprar o livro sem ler a sinopse, sem me informar sobre nada, então eu tinha uma visão de que seria mais um livro sobre os jogos vorazes em si. Contudo, o que vi foi um livro dividido em três partes: o mentoro prêmio e o pacificador. A vida do presidente Snow no auge da sua vida, aos 18 anos, fazendo parte da primeira leva de mentores dos Jogos Vorazes.

Confesso que acreditava que o Snow era mais um burguês, que via nos jogos o seu entretenimento anual, sem nenhuma reflexão sobre o sistema em que ele vivia. No entanto, fiquei chocada ao conhecer o estado de vida dele. A fortuna da sua família vinha das armas do distrito 13 (distrito inexistente), seu pai era um militar que não era muito ligado a ele (morto na guerra), sua mãe morreu durante o parto (durante um bombardeio na capital). Passava fome, não tinha roupas, tudo nele cheirava a mais uma vítima da guerra.

Ele via como sua única chance de quebrar o ciclo de desgraças que vinha acercando sua família, sua avó e a prima Tigris (sim, ela mesma), ser o melhor da Academia, ser o melhor mentor para conseguir o prêmio e finalmente entrar na faculdade. Seus sonhos vão por água abaixo quando é designado a menina do distrito 12 como seu tributo (Suzanne forçou a barra na hora de escolher a tributo e o distrito, mas ok, segue o baile). 

No entanto, quem roubou a cena foi a tributo do distrito entre todos os 24 com suas cantigas e charme. Fazendo com que o frio e calculista Snow aparecesse e desejasse que a atenção que ela detinha refletisse nele de alguma maneira – sem se importar se ela viveria ou morreria nos jogos. Lucy Gray Baird é simplesmente fascinante, faz parte de um grupo de artistas chamado o Bando. Suas músicas transcenderam a década deles, chegando até Katniss na famosa canção “The Hanging Tree”. Cantiga que conseguimos, infelizmente, presenciar nesse livro. 

No dia da Colheita, ela fez uma apresentação para todos como se aquilo não fosse a sua sentença de morte. Ela cantou: 

“Nada que você possa retirar de mim merecia ser guardado.” 

A Capital poderia tentar tirar a vida dela, mas há muito tempo tirou a dignidade de todos de Panem. Então qual era o ponto de tentar tirar a vida de alguém sendo que já não havia sobrado nada?

A relação entre mentor e tributo me deixou um tico incomodada, porque eu sabia que tendia a uma relação amorosa entre eles. Dito e feito, o surgimento de um Coriolanus com sentimentos era algo que eu não queria ver. Até então ele vinha se mostrando aquele Snow de sempre, ardiloso, comedido, suas ações eram para mostrar que tinha um caráter idôneo, para manter as aparências (disfarçando as evidências).

A Trívia (trocadilho intencional 😊) do livro é: controlecaos e contrato. Talvez para ser relacionado com os três atos do livro. Ser mentor é ter controle sobre a situação do tributo. O caos é a arena, que daria a ele o prêmio. Ser Pacificador era fazer com que o contrato social seja efetivamente aplicado. O Snow se viu mergulhado e dançando com esses temas no decorrer do livro, tão imerso nisso que se perdeu por um período. Sentindo o gosto de ter controle em meio ao caos de quase morrer na arena. De virar um pacificador por quebrar o contrato social. Ou simplesmente abdicar do controle para viver o caos que foi seu amor por Lucy Gray.

Amor esse que levou o jovem Snow a realmente perder toda personalidade que conhecemos e sucumbir a um caos interno. Quem imaginaria que ele viraria as costas para a CapitalFugir de Panem? Eu não imaginava. Novamente essa falta de controle ia se mesclando com a natureza fria do personagem, e assumindo as rédeas da situação. Assassinatos cometidos eram parte de um bem maior. Traição de amigos era por motivos egoístas. Todas as peças do tabuleiro se ordenaram da maneira que eu esperava do futuro presidente Snow.

O passado tinha tantos detalhes do futuro que, novamente, pareceu ser forçado. Rosas estavam em todo o lugar, a simbologia da trilogia que significava ocultar o odor da doença, nesse livro era conforto e saudade da mãe. Os tordos, para mim, foram a maior “forçada de barra” que a Suzanne escreveu. Snow disse por diversas vezes odiar os bestantes, sentia prazer em matá-los. Coincidência? Talvez sim, talvez não.

Foi bom ver as situações que elevaram uma pessoa egocêntrica, ruim, com hormônios a flor da pele, com sonhos românticos a um nível extremo de calculismo, egoísmo e maldade. Seu pai roubou a ideia de um bêbado que não queria que os Jogos Vorazes fossem reais (afinal, quem gostaria de ver crianças se matando?), mas foi o Coriolanus quem fez os Jogos como conhecemos. Apostas, dádivas, casa dos tributos tudo fruto dele. 

Ler estando na visão do outro espectro da situação foi algo diferente, principalmente ver um personagem inquestionavelmente ruim no futuro, ter nuances normais de um adolescente (exceto pela parte do assassinato, traição e veneno – sim, tem veneno nesse livro). O livro aquece o coração, evidentemente por estar novamente vivendo no mundo dos meus 13/14 anos e também por descobrir a origem das coisas. 

O livro é bom, porém não é marcante como a trilogia ou agregou muita coisa ao universo. Gostaria que houvesse outros livros com personagens interessantes, como o Finnick, o mais jovem vencedor dos Jogos, talvez o da Johanna, personagem mais doida da trilogia ou o meu favorito, Haymitch, jovem e sóbrio para variar.  


Citações

"Snow cai como neve, sempre por cima de tudo!"
"Você sempre se sente livre para dizer o que pensa, Coriolanus Snow?"

Sandy Banazequi

Publicado por

Sandy Banazequi

23 anos, estudante de engenharia civil, Usain Bolt da leitura/séries e chorona que ama músicas tristes.

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